domingo, 28 de dezembro de 2008

Vigília


Ensinaram-me a respirar através da palma
Da mão ignorando vontades de mim mesmo
Vasculhando a alma nos rascunhos desenhados
Das veias disseram-me que não podia olhar
Para cima do meu ombro calibrando a inocência
Das minhas palavras que não podia ser vários
cada um diferente nem conter em mim tanta gente
aperfeiçoaram-me a expelir conveniente
e detalhadamente a força invisível que guardo nos olhos
para cegar quando quisesse impropriamente e para quando quisesse
morrer descontente imparcial velozmente numa vigília
dolorosamente consciente

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008


Se procurássemos nos escombros da nossa lucidez
Um mapa fidedigno capaz sensato
Do caminho dos nossos passos – um mapa verdadeiro
Que mostrasse a facilidade a lassidão dos nossos nervos
Ao responderem. E as estradas estariam assinaladas
Marcadas com o meu veneno o sumo visceral dos meus pensamentos
Filtrados destilados reconvertidos
À fatalidade de todos os ciclos.
Eu quero tão pouco.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

se tu fosses uma ideia que tivesse tido anteriormente
serias um pequeno ciclone matinal claro uma semente exterior
ao calor do meu hálito ao rubor inexacto da minha expressão
serias o não redundante da minha vontade de permanecer intacto
da minha preferência clínica pelos restos das lágrimas páginas
e páginas de poemas serias todos com um único nome
todos quietos e vacilantes na penumbra da luz que apagas
se tu fosses um único pensamento eu não seria mais eu no meu corpo
mas o ar que afagas descuidadamente com o teu movimento

sábado, 20 de dezembro de 2008

tira-me do rosto a dor, que guardo nos poros, que visto todos os dias.
lava-me o rosto puído, já gasto, sem expressão,
lava-me o rosto,
amor, devagar,
que sangue já não tenho para deitar,
beija-me o rosto, todo o rosto, num canto bíblico, num ritual cíclico,
com amor que nunca tive. cobre-me o rosto, se couber todo o rosto,
com a tua mão,
esconde-mo por favor que há vergonha (a minha cara que sonha),
por favor! que há desgosto, com a tua pulsação.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Mergulha sem respostas não te coíbas pelo processo
Há um retrocesso ainda que invisível um regresso
Nunca planeado fura as multidões todas as portas
Estão do outro lado da minha memória quando adormeço
Perco toda a história e as minhas lembranças não são mais
Que simples bolhas de ar deixa-me respirar procurar
Ajustar e reajustar deixa-me frequentar a tua lucidez
De vez em quando sem timidez para que consiga acertar
O compasso que se atrasou mais uma vez.

O motivo? O princípio? A certeza?

Cegueira impura
Qual é o indício que diz que passaste e marcaste com saliva o meu corpo?
Não tenho padrões para te medir modelos ou qualquer referência
Que me digam o teu tamanho dentro de mim.
De uma boca para outra um fio de vontade ilógica
Pertencer ao passado não é legítimo quando ainda vives numa porta
Que tenho guardada por vozes arteriais.
O motivo? O princípio? A certeza?
Meu amor meu amor meu amor o sangue nem sempre usa as entradas principais.




quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O primeiro dia


Foi como um vício que surgiste como um vício
Branco branco e branco como a pele que desejo todos os dias
Um poema-luz branco por dentro triste
Surgiste e eu não consegui escrever mais
Rasguei todas as peles para mim todas iguais
Agora com o ritmo no meu corpo o teu ritmo
Não consigo esquecer a música e amor todos os sinais
Que me deixaste na cadeira choro e danço a noite inteira
Gastando o ritmo e a cidade em ebulição
A tua cidade na minha cadeira quando arde
A tua vida a tua música o teu corpo na minha imaginação.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

almanaque de saudade


eu viro-me e reviro-me arrumando coisas imprecisas
impropriamente revejo-me no reverso do espelho [avariado]
ceguei está tudo acabado parti sem reparar na roda
desenhada na retina do esquecido na corda estendida
do destino. eu viro-me e reviro-me e não consigo encontrar
qualquer sintoma de vida qualquer parte do meu corpo
pode estar esquecida afundada retida sepultada cativa
num fogo de uma chama que nunca foi acendida.
em mim talvez uma dependência intrínseca contida
de querer a memória como vida outra vez
sempre sempre e sempre a mesma realidade
sempre a mesma e única página do almanaque da saudade.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O segundo dia da semana

O tempo para mim é vago: muito e pouco simultaneamente,
e eu não sei quanto tempo choro e quanto tempo rio,
quanto tempo para mim é ficar contente.
Não sei quantos dias farão
para que se seque a minha mão e se acabe o frio.
No segundo dia dos dias todos que sei
foste tu uma arma que comprei sem ninguém saber,
num dia em que não sabia o que fazer com a dor.
E não sabia mais perguntas senão sobre o dia dos nossos corpos e do prazer
e nunca me perguntei acerca do amor que me deste, se era amor ,
essa forma de conceder.


domingo, 14 de dezembro de 2008

Posso mostrar-te toda a minha nudez a verdadeira
E inquietar-te com a linguagem do meu corpo
Transformar cada centímetro de carne em revolução
Um jogo que não é um jogo e sim uma missão
E alterar a ordem imaginária dos fusíveis os componentes
Que devem ser substituídos antes que toda a estrutura pereça
Tenho em mim enrolada uma vontade espessa
De soletrar todos os nomes até a exaustão até que os esqueça
E até que cresça novamente pagã a sensação de sentir


sábado, 13 de dezembro de 2008

Permissão


Qual é a porta que abre no fim de um sonho? No fim
de uma frase complexa? Qual é a posição dos dedos
de cada dedo? A sina ilegível de um sonho no final
de cada unha consegue ler-se. Uma porta aberta, se
se abre uma porta em sonhos, é só uma passagem
para ti meu amor que não sabes o caminho certo a
percorrer só isso para que os conheças para que me
conheças despido de corpo só aspirações e desejos
névoa apenas e só vontade de te fazer chave única
chuva singular para caíres sempre em mim e em mim
só em mim sem romantismos excedentes

apenas o suficiente para encheres o copo que deixei à porta.

Entre Nós

Pego em mãos e com mãos
faço um envelope translúcido onde a distância
entre nós caiba. Sem remetente, um envelope que te seja
familiar, para que me reconheças na caligrafia. No Ponto Final.
Uma duas três lágrimas, que não seque no caminho
o solvente da clausura, a fim de a saudade chegar intacta,
em forma de olhos que me deste, que tos roubei se calhar
sem querer, pedindo-tos de mãos ávidas. Se não me falta nada
para que quero tudo, de força, com força, exageradamente, desesperadamente.
Se fomos uma vez porque não sê-lo sempre e de vez em quando,
se a lua é nova ou cresce invertida, se os teus olhos são esquecidos, porque não
ver-me sempre e sempre e sempre: nunca matando a amnésia.
Cura para a nossa distância existe numa única palavra que nunca precisou ser dita.


quinta-feira, 11 de dezembro de 2008


Se tomasse forma a forma que as minhas pernas tomam
À noite quando adormecem presas numa rede venenosa
Verias a curva dos meus passos vazia fatalmente cíclica
Verias a cara do medo que afoga constantemente a sombra
Da minha solidão que não gosta de ser incomodada
Cansada que está de estar sozinha
Verias os meus dedos e nos meus dedos a saudade
Do momento que já não existe na minha memória
Verias que estou ausente de mim mesmo e que o que faço
Já não é identificável é insuportável saber que
Verias também que não acredito na matemática
Nem em qualquer exactidão
Tudo existe dessincronizado

Isto tudo podes ver na minha silhueta ao dormir

Dissecação


O ferver do sangue dá-me as células
Dá-me a água quente que me acorda os sentidos
Me aquece os fluidos os glóbulos os componentes
A ebulição das substâncias fazem-me chorar
São lágrimas de ácido a corrosão
São buscas de respostas sem solução
Porque os músculos não existem: simples filamentos
A força não é mais do que uma simples invenção
Os corpos celulares os axónios os dendritos
São a expressão da minha alma os gritos
Do que tenho na cabeça e não conto
São a cesura do espírito e do corpo
São a dor a paixão e o sexo
Tudo no meu corpo é um mero pretexto

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Os meus filhos nascem de uma árvore perdida
como frutos nascem de um ventre profundo uma mão
telúrica que se arrasta desde a saliva da terra desde a seiva
a bebida amniótica que alguém nos deu a provar.
Os meus filhos são mutantes num mundo que não semeia
árvores são cegos da boca onde não cabe o elixir
são cegos como alguém que lhes deu olhos frutos
secos que não conseguem ser origem. Os meus filhos são
viagens que nunca conheceram caminhos raízes sufocadas
raízes afogadas em lágrimas e sangue. Os meus filhos caçadores
de uma palavra inexistente por inventar Inverno ou qualquer estação.
Os meus filhos. Artérias de um coração a hibernar.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A Sala de Espera


Todas as bocas se abrem para comer na sala de espera
Todas falam e transferem os tratados estudados em casa
E treinadas soltam uma melodia triste
Um fio transparente de pedidos escondidos
Temidos pela fraqueza natural de uma tribo
Respiram ávidas uma reza que passou
De um para outro de outro para outro
Uma fórmula que nunca entenderam
E que já se esgotou o clarão de sol que atinge
Cada um branco branco branco
Cada boca na sala tem uma dor sentada em cada banco

xeque-mate de um jogo que há muito foi perdido
hoje talvez seja apenas uma pedra tosca
milenar
corroída pelo tempo pelo meu tempo
pelo tempo que demoro a ser de qualquer cidade
eu sou uma pedra revestida pela idade
e por ser uma pedra não sinto nenhum tipo de saudade
sou só uma pedra e talvez não a melhor parte
não o melhor exemplo de toda a verdade
(que já não sei qual é)
por isso aqui sinto que talvez tenha tido outras raízes
que foram vários os jogos que joguei sem perder
pedras e só pedras em vários outros países
onde pedras tristes morrem para poderem nascer

letra

  • Antes que Anoiteça - Reinaldo Arenas
  • A Raposa Azul - Sjón
  • o ano da morte de ricardo reis - José Saramago
  • estorvo - Chico Buarque
  • Lavoura Arcaica - Raduan Nassar
  • o rei peste - Edgar Allan Poe
  • dom casmurro - Machado de Assis
  • a subjectividade por vir - Slavoj Zizek
  • a campânula de vidro - Sylvia Plath
  • o assalto - Reinaldo Arenas
  • xix poemas - e.e. cummings
  • Vigílias - Al Berto
  • pastagens do céu - John Steinbeck
  • Pela Água - Sylvia Plath
  • Budapeste - Chico Buarque
  • O homem duplicado - José Saramago
  • O nome da rosa - Humberto Eco
  • O retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde
  • 1984 - George Orwell
  • Ariel - Sylvia Plath
  • Mrs Dalloway - Virginia Woolf