domingo, 26 de julho de 2009

ensaios v
por vezes os ponteiros dos relógios
surgem-me como alfinetes breves
incisões na pele pelas quais desconfortavel-
mente me tento suster. por vezes
chegam simplesmente e eu sei
que eles estão ali como um
pesadelo são como sinos fúnebres
badalando para lá do meu sono.
por vezes são como lâminas
frias e descontentes
tesouras obcecadas pela separação
por vezes são vozes roucas
ou meros murmúrios resplandecentes
num céu carregado quase negro
trágico
como se quisessem algum destino.
que força existe por detrás deles
por detrás do deus?
há uma brecha porém algures
onde posso enfiar a boca
esperando
que o ar ao entrar
me liberte.

quarta-feira, 15 de julho de 2009




apontamento
o silêncio depois de qualquer coisa
é o que contém a maior violência.
os cigarros fumam-se numa noite sentada
à margem: inclinamos a cabeça como se
concordássemos. mas quem somos?
nós? hoje já não há soma hoje já não há
nada. o fumo é uma multidão que estremece
desordenadamente, eu não decido.
não há ninguém depois de mim e mesmo eu
estou destruído, posso parar de falar.
fumemos então porque precisamos de respirar,
porque endoidecemos em todos os instantes,
como ondas assimétricas, vagas descuidadas,
o sangue, o meu sangue, é como uma maré
esgotada: cansada de se repetir.
animais animais animais
rochas algas grãos recifes corais
palavras e não-palavras, tudo o que é por dentro
que saia, para que se conheça a natureza,
para que não tenhamos mais que inventar.
talvez não estejamos em nós
mas na nossa sombra,
talvez tudo seja apenas uma sombra
do que verdadeiramente
é. uma camada de pó sobre
o verdadeiro sentido.

quinta-feira, 2 de julho de 2009


fôlego

prendemos o fumo
na respiração, nas próprias árvores.
é um antibiótico agnóstico
para suster os olhos apenas
pelos nervos. sem músculos.
ou vasos. vejo na mesma. os
carros que passam trombudos
como se lhes estivessem a roubar
o mundo. inalamos ou inalámos
maiusculamente como se fôssemos
letras que não contassem o tempo.
ou música que não se gastasse.
e o sangue renova-se automaticamente,
pudesse eu vê-lo, zumbindo
como uma resistência. sem
transcendência ou mistério, somos
uma espécie de raiz antiga, sem
nome. desejando a
superfície.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

não o sonho
Talvez sejas a breve
recordação de um sonho
de que alguém (talvez tu) acordou
(não o sonho, mas a recordação dele),
um sonho parado de que restam
apenas imagens desfeitas, pressentimentos.
Também eu não me lembro,
também eu estou preso nos meus sentidos
sem poder sair. Se pudesses ouvir,
aqui dentro, o barulho que fazem os meus sentidos,
animais acossados e perdidos
tacteando! Os meus sentidos expulsaram-me de mim,
desamarraram-me de mim
e agora só me lembro pelo lado de fora.
manuel antónio pina

letra

  • Antes que Anoiteça - Reinaldo Arenas
  • A Raposa Azul - Sjón
  • o ano da morte de ricardo reis - José Saramago
  • estorvo - Chico Buarque
  • Lavoura Arcaica - Raduan Nassar
  • o rei peste - Edgar Allan Poe
  • dom casmurro - Machado de Assis
  • a subjectividade por vir - Slavoj Zizek
  • a campânula de vidro - Sylvia Plath
  • o assalto - Reinaldo Arenas
  • xix poemas - e.e. cummings
  • Vigílias - Al Berto
  • pastagens do céu - John Steinbeck
  • Pela Água - Sylvia Plath
  • Budapeste - Chico Buarque
  • O homem duplicado - José Saramago
  • O nome da rosa - Humberto Eco
  • O retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde
  • 1984 - George Orwell
  • Ariel - Sylvia Plath
  • Mrs Dalloway - Virginia Woolf