sexta-feira, 23 de janeiro de 2009


a nossa sombra é dourada como é
dourado também o nosso pó acumulado
nas fendas que existem entre as palavras
que delimitam erroneamente o nosso espaço.
onde está a luz que engulo da lâmpada acesa
pensando beber da claridade mais enxuta
o brilho do meu corpo está só em cada passo
que sai erradamente isento de mim
como se pudesse docemente romper-se
e ser verdade (ainda que ausente quando chega o amor)
de volta emancipada ao jardim.

um dia a minha dor andará ao teu lado
acompanhando a culpa culpando a culpa
pelo jogo que prendemos entre as mãos
curando crateras cravadas coerentemente
em um vale que desenhamos veementemente
acreditando na possibilidade de haver mais.
tudo está explicado no átomo mais
profundo
e a ordem das coisas é só um grão de pó.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

À chuva

preciso de me aquecer por dentro criar
invisível a escada que me suporte
um prisma desnecessário
Preciso de uma história devagarinho
um colapso qualquer uma partida
e de me encontrar sóbrio de propósitos
sumido em mim mesmo
punido por querer concentrar o provérbio
num único olhar Preciso de uma vontade
que a intenção ainda não criou
uma alternativa mesmo que estranha
que traduza por onde vou em muitas línguas
Ah eu preciso preciso preciso
Conhecer o trajecto Incerto Curto
Intransponível Incorrecto Plausível
De cada uma das hipóteses

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

[intimacy]


Tu fazes-me chuva miúda amiúde escorrendo
Por entre as fendas dos meus dedos lavando
O histerismo dos meus gestos cápsula sorvendo
Cápsula bebendo cais sobre mim num acto relevando
As cicatrizes abstractas do meu paladar vencendo
As montanhas exactas que fingiram enganando
A ordem extraordinária das coisas. És uma planta
Que nasce ao contrário
Morrendo

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

de ouro eu oiço vozes que palpitam
em cima dos meus ombros folgando o meu peso
e o peso de todas as palavras que existem
de mim escapa uma fúria incolor um fruto qualquer
sem qualquer odor que escondo num lugar remoto
a minha vergonha é agora também uma escarpa assim
densa imensa uma sentença suspensa em mim
no lugar que todos os órgãos deviam ocupar
de ouro é o ar que me ocupa o espaço
por dentro comendo-me sem reservas o calor
sem filtro vácuo engrenagem motor ou velocidade

entre mim e eu próprio não existe qualquer intimidade.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Castigo


Livre se eu fosse completamente livre
Viveria só na superfície lisa
E ouviria o som da erva a crescer
Sem qualquer promessa de felicidade
Longe e isolado de qualquer cidade
Fervendo e arrefecendo sem medo de perder
O bulício esquecido do movimento das pessoas
Se eu fosse livre não haveria castigo algum
Que me coubesse na existência nenhum
Mandamento.



sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Vértigo

Aqui onde os corpos são planos
construí a minha arca da aliança: receptáculo,
oratório, reservatório: aqui, onde a luz atinge
a torre, a minha cabeça, tenho um vazio
estomacal, uma sombra de luz. Não tenho onde
construir-te, física e espectacularmente, apenas
os pilares da minha memória, a subjectividade
de cada lobo, a complexidade de cada sinapse.
Aqui. Nos meus braços tenho as marcas da tua
passagem, da tontura branca que deste e deste e deste
sempre, ininterruptamente, veloz. Se pudesse criar
um mundo, um outro, tu serias a vertigem inata,
do meu corpo contra a gravidade.
Aqui, as horas são recém-nascidas e o tempo é sempre
mais do que aquilo que quero. Onde plantar a semente
(tua) que trago debaixo da língua?
Entre as lágrimas do teu corpo e a saudade.

letra

  • Antes que Anoiteça - Reinaldo Arenas
  • A Raposa Azul - Sjón
  • o ano da morte de ricardo reis - José Saramago
  • estorvo - Chico Buarque
  • Lavoura Arcaica - Raduan Nassar
  • o rei peste - Edgar Allan Poe
  • dom casmurro - Machado de Assis
  • a subjectividade por vir - Slavoj Zizek
  • a campânula de vidro - Sylvia Plath
  • o assalto - Reinaldo Arenas
  • xix poemas - e.e. cummings
  • Vigílias - Al Berto
  • pastagens do céu - John Steinbeck
  • Pela Água - Sylvia Plath
  • Budapeste - Chico Buarque
  • O homem duplicado - José Saramago
  • O nome da rosa - Humberto Eco
  • O retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde
  • 1984 - George Orwell
  • Ariel - Sylvia Plath
  • Mrs Dalloway - Virginia Woolf